segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cuba, um país de tradição espírita

Entrevista: Manuel de La Cruz
Julia Nezu – julianezu@terra.com.br

Cuba, um país de tradição espírita
Possui na atualidade 515 centros espíritas legalizados segundo as leis do país. Em 1888, por ocasião do 1º Congresso Espírita Internacional realizado em Barcelona, Espanha possuía 9 periódicos espíritas e estiveram presentes representantes de 5 centros espíritas. Em 1890, quando foi fundada a Federação Espírita de Cuba, já havia 23 centros espíritas.

Manuel de La Cruz, 46, natural de Havana, Cuba, residente em Miami-EUA, contador, foi conferencista do 1º Encontro Internacional de O Livro dos Espíritos, em Tegucigalpa, Honduras, em 2003 e do 3º Congresso Espírita Internacional em Guatemala, em 2001. Atualmente é Assessor da Coordenadoria do Conselho Espírita Internacional para a área da América Central e Caribe (CEICA) e representante internacional da Sociedade Amor e Caridade Universal e da Sociedade José de Luz, de Havana, Cuba. Desenvolve um trabalho de divulgação por meio de encontros regionais e nacionais, reestruturação e intercâmbio de conhecimentos entre todos os países que a compõem, incluindo México. Realizamos a entrevista em espanhol, que aqui vai traduzida pela Dirigente Espírita Neyde Schneider.

RIE – Como se tornou espírita?
Manuel de La Cruz – Educado em uma família claramente espírita; minha mãe tornou-se espírita aos 15 anos de idade; somos quatro filhos criados dentro da doutrina espírita. Meu pai conheceu o Espiritismo por intermédio de sua mãe e nossa mãe continuou esta tarefa.

RIE – No Congresso Internacional de Barcelona, em 1888, havia representantes espíritas de Cuba. Quando foram fundados os primeiros centros espíritas? Como foi essa representação?
Manuel – Realmente, o 1º Congresso Internacional Espiritista, realizado em Barcelona em 1888, marcou um fato importante no desenvolvimento do Espiritismo, quando cinco instituições cubanas se fizeram representar, como o país de maior representação no evento. Estas organizações foram: Centro da Reencarnação de Havana, Centro o Salvador de Sagua a Grande, Sociedade Espírita de Matanças, Centro Laço União de Cem Fogos, Centro São Paulo, de Queimado de Guines. Podemos confirmar que, desde a época colonial, os índios Tainos e Siboneis tinham o hábito de produzir fenômenos mediúnicos em seus ritos. O movimento espírita repercutiu desde 1856, com a fundação de centros espiritualistas em Havana, Sagua a Grande, Sancti Spiritus, Manzanillo, Caibarien e Santiago de Cuba, o que demonstra a precocidade e receptividade da evolução do Espiritismo em Cuba. Já em 22 de julho de 1890 constitui-se a Federação Espírita da Ilha de Cuba, reunindo 23 (vinte e três) instituições do país.

RIE- Em 1870 já havia diversos periódicos em Cuba. Quais eram e quando foram fundados?
Manuel – A partir de 1870 começou a publicação de diversos periódicos espíritas em Cuba. O jornal Luz de Ultratumba surgiu em 1884, A Ilustração em 1878, Luz dos Espaços em 1881, O Archote dos Espíritos em 1882, O Bom Desejo em 1884, A Luz do Evangelho em 1885, A Boa Nova em 1886, A Alvorada em 1888 e A Nova Aliança em 1888, sendo que os últimos três periódicos foram apresentados no 1º Congresso Espírita Internacional, realizado em Barcelona, em 1888.

RIE – Conte-nos o processo evolutivo sóciocultural e político do Espiritismo em Cuba no seu início até a metade do século XX.
Manuel – Como mencionamos anteriormente, em 1890 foi fundada a Federação Espírita da Ilha de Cuba, tendo o objetivo da Associação claramente definido no Artigo Primeiro de seu Estatuto: “A Sociedade Espiritista tem como objetivo a união de todos os centros espíritas de Cuba, para expandir a divulgação do Espiritismo por meio da palavra, escrita ou falada e toda a prática da virtude pública ou particular”. No ano de 1902 destaca-se a publicação do livro A Filosofia Penal dos Espíritas, do célebre escritor, antropólogo e criminalista Fernando Ortiz (1881-1969), que curiosamente se declara “neo-espiritista”. Destacam-se também os trabalhos do periodista e patriota Francisco M. Gonzales Quijano (1862-1926), colaborador de José Martí, fundador do diário A Voz do Povo e participante da criação da Sociedade Espírita Cubana, como também o escritor Don Salvador Molina, que esteve no Congresso de Barcelona. Em 1910 foi fundada a Sociedade Mais Luz na cidade de Baiamo, província Granma, oficialmente registrada a partir de 1913. Em 31 de março de 1920, celebra-se o I Congresso Espírita Nacional de Cuba, no Teatro Payret, na cidade de Havana, de que participaram 562 delegados, 113 centros espíritas e 336 representantes pessoais.

RIE – Em que época e por que o Espiritismo floresceu com maior pujança em Cuba?
Manuel – De 1935 até 1963 realizaram-se 26 grandes Congressos Nacionais que refletem as proporções que o movimento espírita havia alcançado na Ilha. Todos eram realizados entre os dias 29 e 31 de março, sendo encerrados nessa data em que são lembrados tanto o episódio de Hydesville, como o desencarne de Allan Kardec. Em abril de 1936 foi criado o Conselho Supremo Nacional Espiritista de Cuba; em 1941 organizou-se a Confederação Espírita Cubana, que contava com uma consolidada estrutura federativa integrada por seis federações provinciais e, em cada uma, as respectivas federações municipais, com seus centros como núcleos de base. Importa destacar que nessa época Cuba teve vários programas de rádio em Havana, desde 1941, como a Psique e a Doutrina Espírita, na Rádio Alvarez. Decide-se criar, em 1942, no VIII Congresso Espírita do país, a importante instituição social “Clínica da Alma” em Camaguei, hospital dedicado ao tratamento de enfermos, exemplo de labor humanitário que realizava a Sociedade Espírita nessa época, que exerceu um papel importante para ajuda aos necessitados até o ano de 1966 quando foi decretada sua incorporação ao Ministério de Saúde Pública. No mesmo ano da década de quarenta, o médium Claudio Agramonte funda a Sociedade Luz do Sol e também a Sociedade de Estudo e Investigação Científica dos Fenômenos Espirituais “José de Luz”, que atualmente conta com nove instituições na Ilha e seis, internacionalmente, em países como Espanha, México e Estados Unidos, da qual sou o Vice Presidente atual. 21 de abril de 1957 foi palco de um feito significativo na história do Espiritismo em Havana, Cuba, quando se inaugurou uma praça pública e um busto de Allan Kardec, por iniciativa da Associação Espírita Enrique Carbonell.

RIE – E o seu ressurgimento, como foi e a partir de quando?
Manuel – Depois de transcorridos mais de 38 anos, começa uma nova era plena de esperança e propostas de ação em Cuba. No ano de 2001 os movimentos sociopolíticos e religiosos iniciaram uma nova era de abertura e crescimento no país; na área Espírita empreenderam-se processos de apoio fraterno e esforço contínuo na tarefa de trabalho e divulgação: reconhecimento ao sucesso, através dos esforços do missionário cubano Antonio Agramonte Pereira, do reconhecimento do Espiritismo pelo governo cubano. Cuba começa a contar com o apoio de grandes trabalhadores espíritas de nível mundial, principalmente com a dedicação de Hermano Genaro Bravo Rabanales e sua equipe de trabalho espírita Centro Americano, conjugando o trabalho contínuo que vem se realizando alternadamente na cidade de Miami, Estados Unidos, através da extensão (filial) do Centro Espírita Cubano Sociedade de Estudo e Investigação Científica dos Fenômenos Espirituais “José de Luz”, em que temos trabalhado pelo desenvolvimento, divulgação e vivência da Doutrina Espírita em Cuba e Estados Unidos; nova luz e esperança para o Espiritismo Cubano durante o 3º Congresso Espírita Mundial, realizado na Guatemala, em Outubro de 2001. A Noite Cubana, esperada por todos os participantes e conferencistas, foi um grande êxito; lá foram expostos dados relevantes, tanto da vida do espírito José de Luz, como de Claudio Agramonte, seu instrumento fiel. Houve, igualmente, conferências sobre Mediunidade, Educação Sexual e Espiritismo e Internet.

RIE – Tomamos conhecimento de que Cuba possui mais de 500 centros espíritas legalizados e que o Espiritismo é respeitado pelos poderes constituídos do país. Como se explica?
Manuel - Gostaríamos de destacar bem este ponto. A informação que temos nos foi proporcionada pelo Departamento de Assuntos Religiosos do Conselho de Estado, presidido pela senhora Caridad Diego. No mês de outubro de 2010 o registro de sociedades conta com 515 Centros Espíritas devidamente registrados em toda a extensão do país, destacando-se a porção oriental com mais de 250 centros.

RIE – Desde quando faz parte do Conselho Espírita Internacional?
Manuel – Em outubro de 2004, durante a 10ª Reunião do Conselho Espírita Internacional, em seguida ao IV Congresso Espírita Mundial em Paris, França, em votação unânime de todos os países membros, Cuba passou a ser país observador, no Conselho Espírita Internacional – CEI, em marco do bicentenário de nascimento do codificador da Doutrina Espírita. Em razão do trabalho contínuo e da análise feita pela Comissão Executiva do CEI, em junho de 2009, na cidade belga de Liège, durante a XIII reunião do Conselho Espírita Internacional, novamente por votação unânime, Cuba passa a ser membro oficial do Conselho Espírita Internacional, o que, por sua vez, nos leva a esforço dobrado para continuar com o trabalho nas plagas cubanas.

RIE – E o donativo de 14 mil livros Espíritas no país em novembro de 2009, como aconteceu?
Manuel – Esta ideia surgiu por recomendação da Ministra de Assuntos Religiosos, Sra. Caridad Diego, durante um almoço com o Sr. Nestor Masotti, Secretário Geral do Conselho Espírita Internacional, Dr. Edwin Bravo e minha pessoa. Ela indicava que a principal queixa que as autoridades recebiam dos espíritas era de que lhes era muito difícil obter literatura espírita, em que o Sr. Nestor Masotti perguntou de que forma ela considerava que poderíamos ajudar. Em resposta imediata, disse: enviem um “container” de livros. Olhamo-nos e todos pensamos a mesma coisa – mãos à obra. Através do irmão Alípio Gonzalez, de Mensagem Fraternal, que doou a maior parte dos 14.000 livros e o trabalho do CEI, finalmente concluíram-se os pormenores necessários para a remessa dessa doação maciça, que foi amplamente distribuída na Ilha de Cuba a todos os centros espíritas registrados nos canais competentes.

RIE - Suas considerações finais.
Manuel – Primeiramente, agradecer ao convite para esta entrevista. É um prazer oferecer estes dados que, para muitos, os lêem pela primeira vez, convidá-los para o 6º Congresso Espírita Centro Americano Panamá e Caribe e para o 27º Congresso Espírita Cubano, que terá lugar na cidade de Baiamo, no oriente do país, no próximo mês de abril e dizer-lhes que é uma grande oportunidade que Deus nos faculta neste instante conjuntural. Pedimos a todos os espíritas do mundo o amor, a caridade e a solidariedade ante esta realidade que a casualidade nos permite. Estamos no momento apropriado para iluminar de conhecimentos, de ciência, de filosofia e dar exemplo moral a todos nossos irmãos espíritas da ilha cubana e do mundo, principalmente a quem esperou tantos anos por este momento de reunião fraterna dos espíritas mundiais, com a única intenção de ajudar e intercambiar experiências enriquecedoras, compreendendo todos os processos sócio-político-culturais e religiosos que este maravilhoso país passou através da história.

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